9 de mar. de 2011

Sobre o Carnaval II



Alheia às avaliações suspeitas e aos sorrisos falsos que promovem mentiras e ajudam a emoldurar o carnaval entre décimos e tabelas coloridas, Dona Ivone Lara deixou a Lapa em transe ontem à noite.

Era incrível a convergência de simbolismos: a principal responsável pela emancipação da mulher num dos ambientes mais machistas que há, no dia internacional da mulher, acompanhada pelo Cordão do Boitatá, ícone do processo de reocupação das ruas pelo carnaval, na reocupada Lapa, encerrando oficialmente a festa. Aliás, desde que a Lapa foi invadida novamente por nós loucos não havia por lá, durante o carnaval, celebração tão bonita, democrática, livre.

Dona Ivone é transcendental. Todos a queríamos ali. E o melhor da história é que ela também parecia querer estar ali. Mas vê-la no palco deflagrou em mim uma usina à beira da implosão, dividido que fico entre a alegria que tal privilégio me causa e a consternação que sinto em saber que, ainda que ela não quisesse estar ali, talvez não lhe restasse tal opção.

Para além de sermos autônomos, os músicos somos criaturas que parecemos trafegar ao largo da oficialidade. Isso até tem algumas vantagens, como a “condescendência de classe”. Mas, ao fim e ao cabo, não se aplicam a nós as leis, e nós ainda não criamos as nossas.

Enquanto isso, ficamos batendo cabeça pelas parcas migalhas dos direitos formais.

Ela sim, de fato e de direito, é a personificação da revolução, do carnaval (há de subir o Império, Dona Ivone!) e da mulher.

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