29 de mar. de 2011

Sobre o Bolsonaro



Se você, assim como eu, não quer um boçal da qualidade do Bolsonaro te representando, mande um e-mail para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara (cdh@camara.gov.br) e deixe isso claro.

Nunca percamos de vista que somos nós a fazer com que se mudem as leis, e só com uma pressão legítima, popular e coletiva, vamos conseguir que se criminalize qualquer tipo de intolerância.

Redija sua própria carta! A minha foi assim:

"Me chamo João, não sou negro, não sou homossexual, mas me sinto profundamente ofendido em saber que um dos meus representantes na câmara é uma pessoa anacrônica e fascista como Jair Bolsonaro.

Peço à Comissão que dê início imediatamente aos procedimentos de cassação do deputado, indigno que é do cargo que ocupa. Não é tolerável, à essa altura, que haja políticos que não compartilhem e respeitem um dos patrimônios fundamentais da sociedade brasileira: a diversidade.

Atenciosamente,

João Cavalcanti."

18 de mar. de 2011

Sobre o Brazil

Há palavras que carregam consigo o fardo de significarem o que nem sempre pretendem significar. Palavras que são julgadas pelo que parecem ser fora de contexto, talvez por serem mais comuns em uma determinada circunstância do que em outra, talvez por estarem historicamente ligadas a fatos que, de tão marcantes, sobrepujam a relatividade necessária a análise das conjunturas momentâneas.

“Repressão”, por exemplo, soa aos ouvidos de qualquer pessoa sensata como uma ação ruim. É uma palavra que se enquadra nos dois cenários descritos acima: é muito mais usada para descrever circunstâncias ruins do que boas e ainda nos remete a períodos negros da nossa história recente. Mas qualquer ser humano, mesmo aquele que prefere não transpor a superficialidade das palavras, exercita diariamente, sem moderação, a auto-repressão. A auto-repressão é o único mecanismo confiável e viável que nos permite conviver em um caldo tão heterogêneo quanto uma comunidade de distintos. É através dela – e por causa dela – que não nos matamos uns aos outros o tempo inteiro, e isso é bom. – ou não?

De mesmo modo e efeito contrário, a palavra “reforma” parece ser um pouco mais boa do que ruim. Reformar algo, quase sempre, é atualizar alguma coisa em seu tempo, pôr em uso algo que estava fora de funcionamento ou revitalizar um objeto obsoleto ou em mau estado. Apesar disso há reformas que são feitas em nome da tal “atualização” mas respondem a interesses suspeitos, há reformas que têm intenção boa mas conseqüências discutíveis e há reformas que têm conseqüências boas mas motivações embaraçosas.

As reformas políticas que acontecem no seio do mundo desenvolvido, por exemplo, são feitas em nome do bem estar comum. Salvo raras exceções, essas reformas mudam as fórmulas de arrecadação das previdências sociais de cada país, aumentando o tempo de serviço do cidadão comum enquanto governos emprestam dinheiros a bancos e grandes corporações a pretexto de “evitar crises”. É um exemplo de uma reforma com pretexto nobre e interesse escuso;

A Reforma Protestante, por sua vez, parecia, em sua época, uma iniciativa iluminada que tornaria mais acessível aos fiéis uma liturgia que se havia distanciado deles, de tão engessada que se tornara. Tinha tudo a ver com o sentido íntimo da palavra Religião (outra daquelas com julgamento superficial), ligar de maneira mais profunda o Divino e o Humano. Entretanto, entre as inúmeras doutrinas que se desdobraram desse movimento inicial, há algumas que são ainda mais reacionárias, inacessíveis e dogmáticas do que o catolicismo contra o qual protestam. É um exemplo de reforma bem intencionada com efeito duvidoso;

As reformas por que passa a cidade do Rio para a chegada do presidente americano, por outro lado, me deixam profundamente envergonhado. E o fato de os cariocas – muito influenciados por um senso comum massivamente divulgado pela mídia formal – embarcarem nesse embuste me causa ainda mais náuseas. Uma cidade da dimensão da nossa, com a importância e a relevância da nossa, mais uma vez, arria as calças para receber um figurão “do estrangeiro”. É mais uma manifestação patética de subserviência e complexo de inferioridade de uma cidade que, em seu cotidiano, não parece se preocupar com os 16 milhões de figurões que a tornam real diariamente.

Yes, we could.

9 de mar. de 2011

Sobre o Carnaval II



Alheia às avaliações suspeitas e aos sorrisos falsos que promovem mentiras e ajudam a emoldurar o carnaval entre décimos e tabelas coloridas, Dona Ivone Lara deixou a Lapa em transe ontem à noite.

Era incrível a convergência de simbolismos: a principal responsável pela emancipação da mulher num dos ambientes mais machistas que há, no dia internacional da mulher, acompanhada pelo Cordão do Boitatá, ícone do processo de reocupação das ruas pelo carnaval, na reocupada Lapa, encerrando oficialmente a festa. Aliás, desde que a Lapa foi invadida novamente por nós loucos não havia por lá, durante o carnaval, celebração tão bonita, democrática, livre.

Dona Ivone é transcendental. Todos a queríamos ali. E o melhor da história é que ela também parecia querer estar ali. Mas vê-la no palco deflagrou em mim uma usina à beira da implosão, dividido que fico entre a alegria que tal privilégio me causa e a consternação que sinto em saber que, ainda que ela não quisesse estar ali, talvez não lhe restasse tal opção.

Para além de sermos autônomos, os músicos somos criaturas que parecemos trafegar ao largo da oficialidade. Isso até tem algumas vantagens, como a “condescendência de classe”. Mas, ao fim e ao cabo, não se aplicam a nós as leis, e nós ainda não criamos as nossas.

Enquanto isso, ficamos batendo cabeça pelas parcas migalhas dos direitos formais.

Ela sim, de fato e de direito, é a personificação da revolução, do carnaval (há de subir o Império, Dona Ivone!) e da mulher.

Autopsicografia #13





Antigamente eu não tinha juízo...

Mas hoje penso melhor no futuro.

(Ataulfo Alves e Wilson Batista)

Sobre o Carnaval


De tudo que eu não sei, talvez a coisa que eu mais não saiba seja como se organizam as escolas de samba. não sei, porque nunca soube; não sei, porque nunca quis saber. Não sei, sobretudo, porque se as escolas são de samba, se samba é um gênero de música, e se música não é um ambiente propício à competição, a competição da qual o carnaval se fez definitivamente refém definitivamente não me interessa.

À medida que fui me aproximando do samba – despido que sou de conexões íntimas com qualquer escola – me transformei num espectador café-com-leite. Não que eu não me deixe envolver, longe disso. Torço até demais, mas por quase todas as escolas. Tenho ainda, em algum cantinho, uma simpatia maior pelo Salgueiro, a tal escola apenas diferente, mas acabo enxergando em quase todas as escolas uma razão para que eu não as queira em outro lugar que não seja ali, no maior desfile.

Em 31 anos de vida, me arrepio com memórias que não são minhas de desfiles que não vi, ainda que imagine lindos a julgar pelos sambas que o conduziram. “Onde o Brasil Aprendeu a Liberdade”, da Vila, “Sertões” da Em Cima da Hora, “Domingo” da Ilha. Lembranças que de tanto querer, às vezes pareço ter. Dos desfiles que testemunhei, posso me ver, como se fosse um espectador de mim mesmo, embevecido diante da ousadia do Cristo coberto de Joãosinho Trinta em “Ratos e Urubus...”, da Beija-Flor; cantando alto o apoteótico “Sonhar não Custa Nada...” da ultramoderna Mocidade; molhado de chuva, suor e lágrimas sobre o carro da Lapa em “O Rio de Janeiro Continua Sendo...”, daquele Salgueiro que me balança um pouquinho mais que as outras.

Nenhum dos antológicos enredos que citei acima foi campeão.

E é por isso, e só por isso, que eu não me comovo, não me enojo, não me surpreendo, não me irrito, nem sequer me importo com os resultados estranhos, com as notas suspeitas, com a sensação coletiva de injustiça.

Não me interessa se é um samba-baba pra um enredo-vaselina de um desfile-chapa-branca, ninguém vai lembrar. É um campeonato sem registro, sem interesse, sem reverb e sem delay.

De tudo isso, só me interessa registrar que, na democracia em que vivo, eu sou meu próprio súdito. Eu sou meu próprio Rei.