28 de jun. de 2009

Sobre canudos


Há alguns dias eu sou oficialmente graduado em... nada.


Não que isso seja uma novidade, já que o diploma que me faria bacharel perante os tribunais ainda está lá, rodeado de outros tantos diplomas, abandonados como ele, em um arquivo morto de uma universidade privada.

De qualquer maneira, confesso que me causa uma ponta de decepção saber que esse diploma, se fosse útil a mim, não o seria mais à oficialidade do meu país.

Eu sou jornalista. E fiquei satisfeito com a decisão do Supremo.

Sou jornalista porque escrevo, porque faço de minhas músicas crônicas. Não seria mais ou menos jornalista por ter comigo o abandonado canudo a que tenho direito. Por isso fiquei satisfeito com a decisão do Supremo.

Entretanto, preciso despir-me por completo de qualquer hálito jackbaueriano. Os fins não justificam os meios, e essa é uma decisão que segue à risca a rara tradição da boa política do país: correta nas consequências, espúria nos argumentos e pífia no debate e na consulta pública de que se cercou.

O que mais se ouvia dos ministros que derrubaram a obrigatoriedade do canudo é que o exercício do jornalismo não exige conhecimento técnico e não oferece perigo à coletividade, ao contrário de profissões como medicina e engenharia.

Depois de ouvir tamanho desdém, lembrei-me de três casos largamente noticiados na imprensa do Brasil - pelos então bacharéis em comunicação social com habilitação em jornalismo:

1 - O caso do edifício Palace II
2 - O caso do cardiologista privado do SUS
3 - O caso Escola Base

Nos dois primeiros, meus nobres colegas eram testemunhas. No terceiro, protagonistas.

Para refrescar memórias:

Sérgio Naya, ex-deputado federal, era dono de uma dessas empreiteiras que financiam campanhas e, curiosamente, conseguem liberações para construir em áreas de proteção ambiental e afins. Construiu o edifício Palace II, superfaturando a obra que viria a ruir, matando algumas pessoas e lesando materialmente outras tantas. A empresa de Naya era legal e contava, obviamente, com engenheiros devidamente canudados;


Doutor Rimmel Gúzman era cardiologista do Serviço Único de Saúde, maior rede de saúde pública do mundo e, supostamente, motivo de orgulho para todos nós, brasileiros. No Hospital da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, onde trabalhava, cobrava, em média, 200 reais por consulta, ignorando o fato de o Hospital ser exclusivamente de atendimento público. Doutor Gúzman era devidamente canudado;

A Escola Base, em São Paulo, ficou famosa por ser o centro de um suposto escândalo sexual, noticiado - e condenado - largamente pela imprensa antes mesmo de um veredicto judicial. O inquérito foi arquivado por falta de provas, mas a escola foi julgada culpada por seus vizinhos que, incitados pela abordagem da imprensa ao caso, saquearam e depredaram seu prédio, além de terem agredido os réus. As reportagens foram conduzidas por jornalistas devidamente canudados.

Os veículos que julgaram publicamente a Escola Base continuam sendo lidos Brasil afora. Os repórteres que derrubaram a reputação da Escola continuam exercendo a profissão de jornalistas, enchendo linguiças sem trema e preparando obituários de véspera.

Sérgio Naya morreu algum tempo atrás em Ilhéus, onde gozava da liberdade por ter sido absolvido da acusação - comprovada por inúmeros laudos técnicos. Ele pretendia construir shoppings na cidade baiana.

Rimmel Gúzman foi afastado do cargo à época, e não se tem certeza se chegou a perder seu registro médico. Ou seja, pode estar extorquindo pacientes em outro rincão ou gerenciando uma agência lotérica aberta com os dividendos do assalto que promovia.

Posto isso, a função do jornalista tem uma responsabilidade social tão grande como a do engenheiro ou do médico. Se o prédio da Escola Base tivesse ruído não teria tanta repercussão. Se a Escola Base fosse um posto de saúde público e cobrasse consultas não teria tanta repercussão.

A queda da obrigatoriedade do diploma é um bode espiatório político-panfletário-anti-ditatorial, não fruto do intenso debate prático que a deveria ter precedido.

Agora, frente à impunidade latente e notória que há por aqui, demonstrada nos três casos supracitados, convém perguntar se não seria a hora de deliberarmos sobre a obrigatoriedade de diploma para o exercício da JUSTIÇA.

24 de jun. de 2009

Sobre origens e destinos


Fica o silêncio depois da música e depois do sermão, que importa que se louve o sermão e aplauda a música, talvez só o silêncio exista verdadeiramente.


(José Saramago)

16 de jun. de 2009

Sobre o vício da retórica


Não é que eu seja do contra;

Sou apenas mais um salmão na foz do rio do mundo.

12 de jun. de 2009

Sobre tudo menos samba


Longe de Shakespeare e perto do universo de onde não vim mas onde vivo, me impressiona a capacidade que as coisas têm de, como se fossem ímãs, cercarem-se do que não são conforme passam os anos e gira a roda.


O próprio Shakespeare, hoje, quando lido, recitado ou representado, ganha inexplicáveis ares de sofisticação, apesar de ser coloquial em forma, conceito e linguagem, à época, aquilo que escrevia.

Não é a toa que é dele a frase-conflito mais parafraseada da história da humanidade, repleta que é de simplicidade e complexidade. Pois bem, Mr. Shakespeare, faço minhas as suas, não sem uma pequena transbordação (Ubaldiana) casuísta:

To be or not to be... sambista, that is the question.

Já tive mais problemas com esse dilema - não o de fazer e viver do samba, mas o de autorreferir sambista - mas aos poucos percebi que ele é tão eterno quanto inútil.

Inútil porque falamos do samba que um dia lutara para simplesmente deixar de ser ilegal e que se tornou a maior representação cultural de um país da dimensão do nosso, mestiço como é o nosso. Esse mesmo samba hoje responde a uma casta (hare baba!) a determinar quem leva seu nome como ofício ou não. Casta essa que eu admiro muito e de cuja existência reconheço o caráter indispensável. Mas agradeço aos céus - ecumenicamente - por não pertencer a ela, muito menos ao grupo dos que merecem dela o que considero ser apenas um rótulo.

Não quero pertencer e não pertenço a esse grupo porque não sou puro o suficiente para ser de nenhum grupo. Um indivíduo é aceito num grupo não por escolher fazer parte dele, mas por escolher invariavelmente não fazer parte de nenhum outro grupo. Há indivíduos, como eu, que preferem aceitar grupos do que ser aceitos por eles.

Me conforta um pouco saber que, mesmo entre sambistas com esses maiúsculos, não há consenso sobre o próprio samba, que samba, ele próprio, entre exibir-se orgulhoso à duquesa de Kent no Itamaraty e agonizar frente às outras culturas que a fidalguia do salão lhe impõe. Claro está apenas, na minha cabeça, que o samba diz menos respeito à tradição do que à subversão, seja sendo conservador, seja sendo revolucionário.

Eu acho que o samba basta. Mas eu tenho arrepios quando vejo o samba dizer que se basta.

Por isso tudo eu não atrevo a dizer do que é feito, ainda que eu ouça delicada e atentamente, todos que se atreverem.

Afinal, é tudo uma grande invenção.