21 de nov. de 2010

Sobre a Consciência Negra



It's a country in which each region has its own music, each region has its things to say, each region is different to the other, but there's a communion and everybody can find common ground.

Começo mais um exercício aparentemente inútil - ainda que um tanto prazeroso - de reflexão, com a constatação de que vivo num país cujas relações raciais sofrem de uma certa esquizofrenia. No Dia da Consciência Negra, folgamos todos, mas brancos apenas folgamos, enquanto negros comungamos, entre nós negros apenas, nossas parcas conquistas e nossos vastos anseios.

Cabe explicar que eu somos branco e também somos negro porque eu sou de apenas uma raça, a Humana. Esse é o único fim possível, ainda que sejam legítimas e fundamentais todas as iniciativas de se minimizar agora o enorme fosso racial, desde que com a clara intenção de encurtar o acesso a este fim idealizado. Convenhamos, tal fim só será possível quando as oportunidades não estiverem atreladas à cor da pele.

Enquanto vivemos o processo, celebramos a negritude nua dos carnavais e escondemos sob as batinas de nosso falso moralismo as feridas por cicatrizar. Tem sido assim desde que, pelo menos oficialmente, deixamos de nos permitir pertencer uns aos outros. Seguimos perpetuando a mentira da tolerância.

Bem mais do que folga ou comunhão, o Dia da Consciência negra devia servir para nos despirmos. E aqui estou, nu, percebendo que a escravidão, a devassidão, a insubordinação, a violência, a ganância, a exploração e tanto mais nos trouxeram até aqui. Nos trouxeram até o samba, por exemplo.

Num breve silogismo: eu devo muito ao samba; o samba deve muito à África; eu devo muito à África.

Pois bem, a citação em inglês lá de riba é em inglês porque foi dita em inglês e isso não é um desrespeito ao samba. Esta citação está em um CD de música estrangeira, porque também se faz músicas além das fronteiras do nosso país, e isso tampouco é um desrespeito ao samba. Neste CD, dois excelente músicos tocam seus instrumentos de corda que não são de samba, e talvez nem mesmo soubessem que hajam cavaquinhos e violões de sete cordas, e isso, de maneira alguma, é um desrespeito ao samba.

O samba é um pouco meu, e é hoje a coisa de que mais me orgulho. Mas, ao cabo do mundo, o samba é uma expressão entre tantas de uma região entre tantas de um país entre tantos em um mundo sabe-se lá entre quantos mundos em que se façam música.

E justamente por isso acho que todos deveríamos ouvir um artista africano nos Dias da Consciência Negra porvir, para não perdermos de vista o quanto nosso país é jovem, o quanto nosso samba é ao mesmo tempo causa e consequência, o quanto são discretos nossos quelóides se comparados aos cânceres morais e raciais de que sofre a África desde muito antes de haver brancos e negros no que viria a se chamar Brasil.

O CD em questão é "Ali and Toumani", os artistas em questão são Ali Farka Touré e Toumani Diabaté e o país em questão é o Mali.


19 de nov. de 2010

Autopsicografia #11






Por dentro, com a alma atarantada,
Sou uma criança, não entendo nada.

(Erasmo Carlos & Roberto Carlos)

16 de nov. de 2010

Sobre o natal



Se meu esporte predileto é argumentar, discutir sobre religião é a copa do mundo do meu esporte. Em qualquer outra inútil competição retórica, há paradigmas clamando por desconstrução; aqui há dogmas. Inatingíveis e incontestáveis que são, os dogmas são um convite irrecusável a qualquer viciado por contradições como eu.


Este pleito que se trava entre mim e os dogmas ganha ares épicos quando meu fiel interlocutor - fiel por ter fé em um Deus qualquer, meus interlocutores dificilmente têm fé em mim - toma conhecimento do desapego íntimo que nutri toda a vida por qualquer representação institucional religiosa - ainda que, nas curvas da "vida madura", meu ceticismo nem sempre resista à minha sensibilidade (ou à minha insegurança). Entenda: não comprei nenhum dos rostos que se me foram apresentados como sendo de Deus, mas creio em Algo, assim mesmo, com maiúscula, só por birra.

Pois bem, se sob o manto inexpugnável do meu Santo Algo não estão Pai, Davi, Oxalá, Krishna, Maomé, Filho ou Espírito Santo, o que dizer de um velho, barrigudo, que usa roupas de pele - aparentemente animal - apesar do calor e esconde o rosto atrás de uma barba branca - quase sempre falsa - como se fosse um foragido? O que dizer de pinheiros canadenses de plástico cobertos de neve sintética nas portarias dos prédios de Bangu?

O natal é triste e ridículo. E sempre foi.


(Esta seria a íntegra de um texto meu sobre o natal há alguns anos. Agora cabe um epílogo:)


...ridículo. E sempre foi.

Mas a decoração de natal da minha casa está linda. Meu filho vai adorar quando acordar.


Sabe, às vezes é bom envelhecer. Envelhecer e perceber que, afinal, o natal me interessa, pelo simples fato de que promove a liturgia rara dos encontros.

15 de nov. de 2010

Autopsicografia #10





Saudade que eu sinto...
De tudo que eu ainda não vi
.

(Renato Russo)