28 de mar. de 2009

Sobre o apagão


Nada seria melhor pra humanidade do que uma hora de reflexão coletiva.


Uma hora pra que o mundo inteiro, do subordinante ao mandatariado, se desligasse da parafernália e se religasse com sua sublime condição de bicho.

Sem luz, sem cultura, sem comunicar-se com ninguém, a não ser cada um com os de seu próprio ninho, com seus próprios demônios, com seu próprio deus.

Em vez disso, a cartilha promove um espetáculo de luz e sombra que segue a rota convencionada dos fusos-horários pra que satélites nos façam testemunhas do "espetáculo".

As pessoas? Continuam imersas nas suas individualidades sociais microcomputadorizadas e distantes da coletividade da espécie, animais que são. Salvo, é claro, as que de fome morrem aos poucos, essas não esquecem que são bicho.

Por via das dúvidas apaguei as luzes do meu apartamento.

26 de mar. de 2009

Autopsicografia #4





Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso...

É disso que eu preciso ou não é nada disso?

Eu quero é todo o mundo nesse carnaval.

(Sérgio Sampaio)

25 de mar. de 2009

Sobre meus pais


A pedido da revista Pais & Filhos, escrevi esse texto sobre meus pais. Acho que resume bem o que sinto, por isso publico aqui. Aliás, escrever sobre as coisas já me poupou alguns muitos anos de análise. Ah, não Freud!

Meus pais são da geração que se orgulha de ter feito o que quis, na hora e do jeito que quis. Quiseram, aos meus 4 meses de idade, se separar, e eu cresci sem jamais me referir a eles como “meus pais”.


Era, pra mim, minha mãe, meu limite, minha segurança, minha rotina; a pessoa com quem dividia a casa e as responsabilidades de sermos mãe solteira e filho de pais separados.


Era, pra mim, meu pai, meu ídolo, meu entertainer, meu paradoxo; a pessoa com quem dividia os fins de semana e a informalidade de sermos pai solteiro e filho de sábadomingo.


E era eu a sortuda criança com duas casas, dois natais, duas famílias, dois exemplos a seguir, ou não.


Com minha mãe aprendi o amor irrestrito. Morei com ela por mais de vinte anos, com poucos períodos de férias. Fomos felizes juntos, viajamos, sorrimos, brigamos, crescemos e aprendemos juntos com a leveza e a naturalidade de amigos que moram sob o mesmo teto. Só às vezes éramos mãe e filho.


Com meu pai aprendi a obstinação. Acompanhei de perto o calvário de um músico popular apostando em viver de cultura num país faminto de proteínas, não de metáforas. Nos víamos menos do que gostaríamos e muito mais do que era preciso para nos amarmos, com a transparência que há entre o espelho e o reflexo. Quase nunca éramos pai e filho.


Cresci com os exemplos de minha mãe e meu pai, um pouco absorvente, um pouco refratário. Flertei com o desenho e com a matemática antes de entrar para a faculdade de jornalismo. Me distanciava da música e meu pai não reclamava, era flagrante que ele não queria para o filho nem um décimo dos caroços que ele teve que engolir e eu não tinha ainda a convicção de que conseguiria colher nem um décimo dos frutos que ele colhera.


Ainda na faculdade me reaproximei da música, como um amante fortuito, sem nenhuma pretensão de casamento. O ofício de cantar, tocar e compor foi tomando espaço e quando meu pai percebeu, já era tarde. Com a prudência do pai e o conhecimento de causa do artista, ele decretou: “Se você consegue viver sem música, viva. Senão, mergulhe na música.”


Já são mais de 10 anos mergulhando de cabeça no mar sem fundo da música, e hoje tenho o prazer de ver meu pai sob o ponto de vista de filho e de fã como sempre vi, mas também sob o ponto de vista de colega de classe. Não à toa escolhi uma foto do mágico dia em que ele entrou de surpresa (para mim, o resto do mundo parecia já saber) no meio do show do Casuarina para cantar comigo uma música minha. A banana foi o gesto espontâneo para “reclamar” da deliciosa “traição” mas é a síntese do espírito subversivo e obstinado. Ela diz “aqui, pai, aprendi contigo.”


Com minha mãe escolhi a foto de um beijo. Um beijo antigo, um beijo eterno, o símbolo mais sagrado do amor que resiste ao tempo, ao convívio, a tudo. Já não moro mais com ela e hoje somos mais amigos do que nunca, despidos da aridez da vizinhança e munidos da doçura da saudade.


Seria uma tremenda injustiça se eu escrevesse um texto sobre pais e não dissesse que aos meus onze anos minha mãe casou-se com Toti, pai de minha irmã Jade, com quem morei por quase dez anos. Ou que desde que me entendo por gente meu pai é casado com Anninha, a boadrasta, mãe de meus irmãos Bruno e Bernardo e o maior exemplo profissional que tenho. Afinal, hoje digo, sem medo de errar: meus pais... e minhas mães.


24 de mar. de 2009

Autopsicografia #3





Nada de crachá, meu chapa.

Eu sou um escrachado, um extra achado num galpão abandonado.

Nada de crachá.

(Gilberto Gil)

Sobre a força


Dos que usam a força eu apenas rio:


Tem mais vento o sopro do que o assovio.

Sobre a classe média amedrontada


Noticiários em polvorosa. Hoje, no Rio, quem se assusta é a nata.


Sem chorar o leite derramado, é bem verdade.

Aliás, leite sistematicamente escondido por anos sob a gordura negligente da indiferença. Anos cozendo, a fogo baixo. Fogo baixo também ferve.

Caos, juízo final, nada além do que experimenta quem é leite, não nata, durante toda a vida.

Enquanto isso a coalhada da Segurança Pública acusa... a própria nata-do-leite-em-pó.

Claro: se a Baía de Guanabara é uma grande latrina, cada um é responsável pela bosta que faz.

Sobre "Labiata"




O texto que se segue é uma espécie de release que escrevi na ocasião do lançamento do último disco de meu pai. Digo "uma espécie de" porque, de tão comprometido - ainda que isento -, não se presta às objetividades impessoais da imprensa, mas é puro.


DEPOIMENTO ÍNTIMO


Um desavisado diria que meu pai trafega nas interseções. Entre a vanguarda e a resistência; entre o ruído e a pausa; entre o registro e a circunstância. Lenine não trafega nas interseções, ele as cria. Interseções de tudo que ele incorpora nas suas viagens, físicas e metafísicas mundos afora. Sempre munido do espírito-esponja que retém o que lhe interessa de tudo que absorve.


Absorvido, pois, vinha sendo Labiata, que meu pai agora espreme e exprime de si – e das esponjas de que se cerca. Labiata é o álbum-dilema de quem vive à moda esponja: uma peça pronta, complexa e sólida de um quebra-cabeças em aberto. Um íntimo atestado da continuidade do ineditismo.


São íntimos Guila, Pantico e Jr. Tostói, com Lenine nos palcos há bastante tempo e em quase todas as faixas de Labiata. Tostói, inclusive, divide com ele a produção do álbum e imprime uma nova palheta de timbres à mistura. São íntimos os parceiros-esponja Arnaldo Antunes, Bráulio Tavares, Carlos Rennó, Dudu Falcão, Ivan Santos, Lula Queiroga e Paulo César Pinheiro. E como são íntimas a inédita parceria com Chico Science e a inédita presença de China, herdeiro direto da subversão estética scienciana


O álbum é, portanto, a devassa consequência da intimidade do processo. Um álbum andrógino, viril e delicado, a exemplo da orquídea que lhe empresta o nome. As orquídeas, aliás, mais exclusivas das flores, são um enigma entre o estigma incauto da promiscuidade do que brota em toda parte e o deslumbre do que encanta à primeira vista. Meu pai tem verdadeira obsessão por elas. Não é por acaso.


Labiata martela anseios, sonha deusas esguias, cirandeia romances, relativiza céus, samba mundos e cria eus. Mas um álbum com nome de flor não podia omitir-se diante da tragédia anunciada. Grande parte do disco é dedicada a engrossar o coro da perspectiva da catástrofe. Não a sonhada por Hollywood, de aniquilação imediata e indolor, mas a hecatombe silenciosa da negligência. A mensagem, entretanto, não é niilista – ainda que seja punk.


Enfim, o novo álbum de estúdio de Lenine, primeiro desde Falange Canibal (2002), é, a meu ver, um recorte de seu tempo. Labiata é perfumado. Labiata é contundente. Faço minhas as palavras, faço meus os sons. Faço parte, ao lado de meus irmãos Bruno e Bernardo, na emblemática “Continuação”. A genética só me credencia ainda mais a dizer tudo que disse com a insuspeição de quem acumula o prazer de ser tão filho quanto fã de Lenine mas, ao mesmo tempo, orgulha-se de pensar ter herdado uma das maiores virtudes do pai: o critério.

João Cavalcanti


23 de mar. de 2009

Autopsicografia #2




It's up to me, Coração:

Ser,
Querer ser,
Merecer ser um camaleão.

(Caetano Veloso)


Sobre a hipocrisia


"Lembra de mim?"


Não há outra circunstância que ilustre melhor minha tese: mentir é uma virtude.

"Não, não lembro.": Antipatia ou franqueza?

"Lembro, lembro sim!": Falsidade ou amabilidade social?

Nas pequenas hipocrisias cotidianas, dos padres pedófilos, dos atletas dopados de cristo, dos pacifistas drogados, está a essência da convivência. O verdadeiro espírito comum.

Não à toa, uma mentira desarmada é capaz de expor, nua, a alma do mentiroso. É o retorno às profundezas.

Justamente por isso, caros correligionários hipócritas, espero que não se siga:

"De onde?".

22 de mar. de 2009

Autopsicografia #1






Un enjambre de moléculas puestas de acuerdo de forma provision
al...

(Jorge Drexler)


21 de mar. de 2009

Sobre por que eu não fui ao show de Radiohead


Eu gosto de rock. Eu gosto muito de Radiohead. Mas eu não fui ao show.


Sim, eu queria ir.

Não, eu não sou obrigado a não gostar por não ser samba.

Mas jamais imaginaria que não ir acabaria sendo tão importante.

Hoje, tendo não ido, percebo: minhas prioridades mudaram


Eu somos uma família.

Estréia


O título da primeira postagem do primeiro blog que me disponho a escrever na minha vida é um emblema.

Um grito de libertação ortográfica.