18 de mar. de 2011

Sobre o Brazil

Há palavras que carregam consigo o fardo de significarem o que nem sempre pretendem significar. Palavras que são julgadas pelo que parecem ser fora de contexto, talvez por serem mais comuns em uma determinada circunstância do que em outra, talvez por estarem historicamente ligadas a fatos que, de tão marcantes, sobrepujam a relatividade necessária a análise das conjunturas momentâneas.

“Repressão”, por exemplo, soa aos ouvidos de qualquer pessoa sensata como uma ação ruim. É uma palavra que se enquadra nos dois cenários descritos acima: é muito mais usada para descrever circunstâncias ruins do que boas e ainda nos remete a períodos negros da nossa história recente. Mas qualquer ser humano, mesmo aquele que prefere não transpor a superficialidade das palavras, exercita diariamente, sem moderação, a auto-repressão. A auto-repressão é o único mecanismo confiável e viável que nos permite conviver em um caldo tão heterogêneo quanto uma comunidade de distintos. É através dela – e por causa dela – que não nos matamos uns aos outros o tempo inteiro, e isso é bom. – ou não?

De mesmo modo e efeito contrário, a palavra “reforma” parece ser um pouco mais boa do que ruim. Reformar algo, quase sempre, é atualizar alguma coisa em seu tempo, pôr em uso algo que estava fora de funcionamento ou revitalizar um objeto obsoleto ou em mau estado. Apesar disso há reformas que são feitas em nome da tal “atualização” mas respondem a interesses suspeitos, há reformas que têm intenção boa mas conseqüências discutíveis e há reformas que têm conseqüências boas mas motivações embaraçosas.

As reformas políticas que acontecem no seio do mundo desenvolvido, por exemplo, são feitas em nome do bem estar comum. Salvo raras exceções, essas reformas mudam as fórmulas de arrecadação das previdências sociais de cada país, aumentando o tempo de serviço do cidadão comum enquanto governos emprestam dinheiros a bancos e grandes corporações a pretexto de “evitar crises”. É um exemplo de uma reforma com pretexto nobre e interesse escuso;

A Reforma Protestante, por sua vez, parecia, em sua época, uma iniciativa iluminada que tornaria mais acessível aos fiéis uma liturgia que se havia distanciado deles, de tão engessada que se tornara. Tinha tudo a ver com o sentido íntimo da palavra Religião (outra daquelas com julgamento superficial), ligar de maneira mais profunda o Divino e o Humano. Entretanto, entre as inúmeras doutrinas que se desdobraram desse movimento inicial, há algumas que são ainda mais reacionárias, inacessíveis e dogmáticas do que o catolicismo contra o qual protestam. É um exemplo de reforma bem intencionada com efeito duvidoso;

As reformas por que passa a cidade do Rio para a chegada do presidente americano, por outro lado, me deixam profundamente envergonhado. E o fato de os cariocas – muito influenciados por um senso comum massivamente divulgado pela mídia formal – embarcarem nesse embuste me causa ainda mais náuseas. Uma cidade da dimensão da nossa, com a importância e a relevância da nossa, mais uma vez, arria as calças para receber um figurão “do estrangeiro”. É mais uma manifestação patética de subserviência e complexo de inferioridade de uma cidade que, em seu cotidiano, não parece se preocupar com os 16 milhões de figurões que a tornam real diariamente.

Yes, we could.

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