12 de set. de 2012

Sobre o desfile cívico


Eu não acredito em países. Países são arbitrários. O Brasil, por exemplo, é um território qualquer, determinado, quase todo ele, por um acerto político e uma dúzia de assinaturas. O Acre não, o Acre foi comprado.

É claro que, conforme passa o tempo, vamos nos cercando de uma compreensão, ora cínica ora genuína, de que, por pertencermos a um mesmo país, partilhamos alguns interesses fundamentais que justificam nos sentirmos parte de um mesmo país. Mesmo quando outros seres desse país parecem nem sequer serem humanos, achamos que apenas nós, do mesmo país que eles, devemos julgá-los. Nosso sentido de país é severamente ferido quando um "filho da pátria", por mais bastardo que sejam (o filho e a própria pátria) é achincalhado além das fronteiras (imaginárias, quase todas) de nosso país.

A cultura, afinal, é o que nos torna mais patrióticos. Seja na forma como nos manifestamos artisticamente, seja quando escolhemos um esporte para praticar e um subseqüente jeito de praticá-lo, nos sentimos definitivamente um país. Em nome da identidade cultural de um país, ignora-se, inclusive, quantas diferentes identidades pode haver em 8 milhões e meio de quilômetros quadrados. Ignora-se, mais ainda, com quantas outras identidades de quantos outros arbitrários países, podemos nos identificar de forma autônoma - enquanto, na calada da noite, nos vendem de maneira compulsória outras identidades como sendo nossas.

Por isso tudo, sinto um desconforto frente a todas as manifestações injustificadas de ufanismo. Termos como "soberania nacional" e "pátria livre" me causam ojeriza, é inevitável. Não que eu seja, por isso, um mau brasileiro. Não passo incólume às conquistas, muito menos às mazelas desse meu país. Torço pro meu país. (Ora, torço avidamente pro Botafogo, também um não país ainda mais arbitrário e que também tem no front uns quantos cretinos - conheço alguns, inclusive.)

Agora percebam: à sombra desse "orgulho de ser brasileiro" se escondem nossos fantasmas paternalistas cristãos, responsáveis por não conseguirmos fazer desse nosso não país, de fato uma nação. Uma sociedade como a nossa, que tem o degredo, a chacina e a migração forçada por matéria-prima; a dissimulação e a corrupção por ingredientes fundamentais; e a vantagem sobre todas as coisas por objetivo., para se sentir - e de fato ser - uma nação, tinha que ser formada não por pessoas, mas por países.

Assim, nós, países, não confundiríamos Estado com religião. Poderíamos até ter predileção por alguma maneira de tocar em Deus - ou não -, mas jamais nos permitiríamos ignorar as demais, o que dirá desrespeitá-las.

Nós, países, sempre assumiríamos o preceito da reciprocidade em nossas políticas externas. A vantagem, se não for pra todos os países, simplesmente não é.

Nós, países, elegeríamos de forma democrática qual é a melhor entre as escolhas possíveis, suscetíveis que somos ao erro, e sensíveis que somos ao conserto.

E, sobretudo, nós, países, nos permitiríamos interagir, interdepender e interrelacionar com quantos dos 200 milhões de países que há nessa fronteira abstrata desse nosso não país quiséssemos. E com quantos entre os 7 bilhões de países que há nesta enorme Nação Humana conseguíssemos. Sempre respeitando a história e a importância de cada país, cientes que deveríamos ser da fragilidade volátil dos países que somos.

Pois há apenas uma certeza: países morrem.

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