20 de ago. de 2012

Sobre a cópia


Perceba que a música é uma linguagem. Os gêneros, sub-gêneros e manifestações específicas de cada região são como idiomas, dialetos, gírias. Um sistema complexo de comunicação que permite influências múltiplas, reinterpretações e até hermetismos - dos alquímicos ou dos inacessíveis, tanto faz.

Considere que, numa análise mais alegórica, a música pop surgiu como o Esperanto. Um idioma híbrido que assume uma parte dos signos radicais dos outros idiomas que o formam para se comunicar através de novas palavras, nesse caso rítmicas, poéticas, harmônicas e melódicas. Ao contrário do Esperanto, entretanto, que foi estruturalizado a priori, o conceito de música pop foi tornando-se uma abstração que se presta a determinar a posteriori aquilo que não se enquadra no estruturalismo formal dos outros idiomas. Não à toa, o Esperanto é um tentativa bem-intencionada e mal-sucedida, enquanto a música pop, em não sendo nada, apenas é.

Por não ser nada, não há muitas pessoas que a defendam. Há pouquíssimas pessoas que se autodenominam pop sem culpa e as que o fazem em geral são vistas com desconfiança por seus pares - ainda que muitos deles sejam músicos pop enrustidos, disfarçados sob uma máscara legitimadora qualquer entre as muitas disponíveis.

É claro que, sem o pop - agora não só a música -, não haveria os memes, essas células mínimas virais de comunicação que transcendem idiomas e que são tão fundamentais para o esteio sócio-cultural da globalização. É bom que haja signos além dos obstáculos. Dois pontos seguidos de fecha parêntesis viraram um sorriso. Um sorriso pop-multilinguístico. Sorriso não distingue idiomas.

Posto isso, quero esclarecer que nada tenho contra a música pop, até por acreditar que ela não seja. Meu primeiro disco solo, prestes a ser lançado, muito possivelmente será rotulado por alguns como… pop. E isso não me causa desconforto (não posso me incomodar com algo que não é, ora). Com o perdão do clichê, sou um entusiasta do multiculturalismo, da pluralidade e, sobretudo, da transigência.

Mas - e agora vem o objeto de fato desse devaneio -, antes de qualquer outra coisa, sou obcecado pela autenticidade. E, em um mundo pautado por interesses comerciais, é mais barato, mais fácil e mais eficiente reproduzir velhas fórmulas do que criar novas. Assim é feito com refrigerantes, com desodorantes. Assim vem sendo feito com a música. Desse jeito a música pop deixa de ser aquele balaio heterogêneo de não-outras-coisas para ser sinônimo daquilo que já foi testado, massificado e aceito incondicionalmente e que, por conveniência, será reproduzido à exaustão.

"Então temos que ser originais o tempo todo?", pergunto-me. Claro que não. Mas não seria nada mau se tentássemos sê-lo. Na qualidade de músico/jornalista, acredito que o artista deveria buscar ser original como o jornalista deveria buscar ser verdadeiro. Ainda que a originalidade e a verdade sempre estejam filtradas, uma pelo que já absorvemos, outra pelas teses que defendemos. Eventualmente copiamos e mentimos sem querer.

E quando copiamos por querer?

Ninguém se incomoda se o funk-hit-coringa que se reproduz incessantemente às nove seja absolutamente igual a um outro em que o cantor maria-vai-com-as-outras só dançaria se sua musa fizesse o mesmo. Ninguém percebe que, na era pós-Tchan, se você quiser um tchu; quiser um tcha; quiser um tchu tcha tcha tchu tchu tcha tchuru e, em seguida vier o Gustavo Lima com você tcherêrê tchê tchê tcherêrê tchê tchê, você terá um canção, apenas. Ou finge não se incomodar. Ou finge não perceber. Ou, ainda, percebe e se incomoda, mas expõe para uma dúzia, enquanto as percebidas e incômodas reproduções comunicam com milhões através de emissoras de rádio e televisão que, embora públicas, vendem o espaço que lhes concedemos.

E seguimos, medindo nosso progresso pelos números da economia. Nossa educação através de IDEBs, ENEMs e afins. Até porque senso crítico não se mede. Não se avalia. E, pior: pra efeito de mercado, não se deseja.

3 comentários:

Leonardo Diniz disse...

Excelente texto João,principalmente quando você se pergunta se temos que ser originais o tempo todo, de fato é uma pergunta intrigante.

ANDERSON MENEZES disse...

Penssava a respeito de alguns pontos aqui colocados antes de ler tal crítica tão inteligente tão bem apurada. Alguns são livres para criar como alguns são livres para copiar cada um e cada tem seu lugar em um determinado contexto histórico, porém poucos podem trasnformar de fato algo realmente produtivo para o consumo das massas.

Elisa Fernandes disse...

Belo texto! Te admiro muito, João!