6 de jul. de 2009

Sobre tatuagens esferográficas


Apresento-lhes um pequeno conto de minha autoria:

Um dia, uma gestante tentou receber atendimento no maior hospital de sua cidade.

O caso era grave e exigia internação imediata.


Um médico, canudado (um viva aos ubaldianismos autorreferentes nossos de cada dia), orientou a gestante a procurar uma maternidade, fazendo-lhe, inclusive, o inestimável favor de escrever-lhe no antebraço o nome da maternidade e as linhas de ônibus que a levariam até lá.

A gestante entrou no desconfortável ônibus e, ao chegar em seu destino, constatou que seu filho havia morrido. Tremenda ironia linguística ter morrido seu filho justo no caminho entre o hospital e a maternidade, pois a maternidade - a que se constrói com sonhos, não com tijolos - o próprio caminho lhe havia arrancado, ora sendo a gestante forçada a tomar outro caminho, de volta ao hospital, uma vez que maternidade de sonhos já não mais havia e de tijolos não mais carecia.

Quando questionado sobre o caso, o prefeito da cidade respondeu, categoricamente, o que temos que fazer é... punir.

Claro, nada mais havia a fazer. Nesta cidade todos os cidadãos tinham acesso a tudo que era público. Havia fartura de litros de leites, leitos e letras, menos de lutos.

Sobretudo ali, onde a gestante
solicitara atendimento de emergência, havia abundância de vagas, obstetras, ambulâncias e maternidades. Afinal, era o maior hospital da cidade.

Logo, concluiu-se que a morte da maternidade da gestante só podia ser resultado de uma peça pregada pelo espirituoso médico a se valer do raro artigo da ignorância alheia. Pobre médico, só quis testar sua caneta nova.

Gostaram do conto? É claro que é ficcional...

Não pela "cidade-pública", inspirada em algumas que conheci um pouco mais a norte.


Mas só mesmo a literatura fantástica para imaginar uma trama como essa.

A cobra não morde uma mulher gestante
Porque respeita seu estado interessante

(
Nelson Cavaquinho & Guilherme de Brito)

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