25 de mar. de 2009

Sobre meus pais


A pedido da revista Pais & Filhos, escrevi esse texto sobre meus pais. Acho que resume bem o que sinto, por isso publico aqui. Aliás, escrever sobre as coisas já me poupou alguns muitos anos de análise. Ah, não Freud!

Meus pais são da geração que se orgulha de ter feito o que quis, na hora e do jeito que quis. Quiseram, aos meus 4 meses de idade, se separar, e eu cresci sem jamais me referir a eles como “meus pais”.


Era, pra mim, minha mãe, meu limite, minha segurança, minha rotina; a pessoa com quem dividia a casa e as responsabilidades de sermos mãe solteira e filho de pais separados.


Era, pra mim, meu pai, meu ídolo, meu entertainer, meu paradoxo; a pessoa com quem dividia os fins de semana e a informalidade de sermos pai solteiro e filho de sábadomingo.


E era eu a sortuda criança com duas casas, dois natais, duas famílias, dois exemplos a seguir, ou não.


Com minha mãe aprendi o amor irrestrito. Morei com ela por mais de vinte anos, com poucos períodos de férias. Fomos felizes juntos, viajamos, sorrimos, brigamos, crescemos e aprendemos juntos com a leveza e a naturalidade de amigos que moram sob o mesmo teto. Só às vezes éramos mãe e filho.


Com meu pai aprendi a obstinação. Acompanhei de perto o calvário de um músico popular apostando em viver de cultura num país faminto de proteínas, não de metáforas. Nos víamos menos do que gostaríamos e muito mais do que era preciso para nos amarmos, com a transparência que há entre o espelho e o reflexo. Quase nunca éramos pai e filho.


Cresci com os exemplos de minha mãe e meu pai, um pouco absorvente, um pouco refratário. Flertei com o desenho e com a matemática antes de entrar para a faculdade de jornalismo. Me distanciava da música e meu pai não reclamava, era flagrante que ele não queria para o filho nem um décimo dos caroços que ele teve que engolir e eu não tinha ainda a convicção de que conseguiria colher nem um décimo dos frutos que ele colhera.


Ainda na faculdade me reaproximei da música, como um amante fortuito, sem nenhuma pretensão de casamento. O ofício de cantar, tocar e compor foi tomando espaço e quando meu pai percebeu, já era tarde. Com a prudência do pai e o conhecimento de causa do artista, ele decretou: “Se você consegue viver sem música, viva. Senão, mergulhe na música.”


Já são mais de 10 anos mergulhando de cabeça no mar sem fundo da música, e hoje tenho o prazer de ver meu pai sob o ponto de vista de filho e de fã como sempre vi, mas também sob o ponto de vista de colega de classe. Não à toa escolhi uma foto do mágico dia em que ele entrou de surpresa (para mim, o resto do mundo parecia já saber) no meio do show do Casuarina para cantar comigo uma música minha. A banana foi o gesto espontâneo para “reclamar” da deliciosa “traição” mas é a síntese do espírito subversivo e obstinado. Ela diz “aqui, pai, aprendi contigo.”


Com minha mãe escolhi a foto de um beijo. Um beijo antigo, um beijo eterno, o símbolo mais sagrado do amor que resiste ao tempo, ao convívio, a tudo. Já não moro mais com ela e hoje somos mais amigos do que nunca, despidos da aridez da vizinhança e munidos da doçura da saudade.


Seria uma tremenda injustiça se eu escrevesse um texto sobre pais e não dissesse que aos meus onze anos minha mãe casou-se com Toti, pai de minha irmã Jade, com quem morei por quase dez anos. Ou que desde que me entendo por gente meu pai é casado com Anninha, a boadrasta, mãe de meus irmãos Bruno e Bernardo e o maior exemplo profissional que tenho. Afinal, hoje digo, sem medo de errar: meus pais... e minhas mães.


3 comentários:

DJ CHU disse...

Cacete!!!!
Vai escrever bem assim lá na casa do chapéu...
Ok, a história de vida tmb é linda, mas a poesia, aqui, não seria materializada sem a pena do poeta João!
Mó orgulho ser sua amiga... :)))
Bjsssss
Carolyne Albernard

P.S. Tenho muitas novidades pra te contar, muitas mudanças de vida... volta logo dessa viagem!!!

Unknown disse...

véio... fui as lágrimas lendo esse texto ... nossos caminhos foram muito parecidos... Vc driblou bem esse lance dos pais separados, ao menos, bem melhor que eu !!!
Abração ! TUDO DE BOM, SEMPRE !!!
Pacato

Sicores disse...

Simplesmente mágico esse texto. Amei!
Saudades do meu pai que me deu...
bjs da Si, fã.